Música e Artes Visuais

Parceira: Natalia Lemos

(Trabalho apresentado no VI Semana de Educação Musical da UNESP e semi-finalista do XVII Prêmio Arte na Escola Cidadã)

Diálogos Interdisciplinares: Artes Visuais e Música

Atualmente, na intenção de alcançar uma educação complexa, que sirva á formação integral do indivíduo, há uma nova tendência na educação que vê a necessidade do rompimento das antigas estruturas que confinam as disciplinas ás grades curriculares e contornos estreitos , onde compartimenta-se e afasta o que está, ou deveria, relacionar-se. O aluno, nesta perspectiva ganha a possibilidade de uma aprendizagem significativa, dada a abrangência que se dá, promovendo seu desenvolvimento integral. Para tanto é preciso  abertura e compartilhamento entre as disciplinas para chegar-se ao cerne do que se especula, utilizando-as como subsídio. A disciplina então passa a ser ponto de partida livre das paredes epistemológicas, um espaço ilimitado da aprendizagem.
É nessa perspectiva que o projeto Diálogos: Artes Visuais e Música, foi orientado por professoras das respectivas disciplinas, no contexto da pedagogia sócio-crítica, em um expressivo espaço de  trabalho de temas transversais, como ética, representação política e cidadania, dentro do curso do nono ano da educação fundamental, no Colégio Marupiara, São Paulo. 

O grupo possui na grade curricular aulas de música e artes visuais (disciplinas ministradas separadamente) desde a educação infantil até o ano corrente. Alguns dos alunos estão há mais de 10 anos em formação neste perfil de projeto pedagógico, sendo uma particularidade importante para a realização do projeto. 

A motivação para este trabalho partiu da avaliação sobre o curso de música e artes curricular deste grupo, que se apresentava com um fraco discurso de pertinência sobre Arte Contemporânea  e, portanto, com falta de visibilidade da interface entre as disciplinas. Nosso  trabalho foi redimensionar esta visão.





Redimensionado a percepção

Este projeto teve como objetivo principal contribuir no desenvolvimento integral de um sujeito ético, despertando, entre tantas, as habilidades estéticas, o tornando capaz em reconhecer sua cultura, em dialogar com a arte
contemporânea , defender sua identidade e fazer ligações cognitivas mais amplas, firmou-se um campo fértil para que se alcançasse objetivos pontuais como: redimensionar a cognição na Música e nas Artes Visuais , sensibilizar  a percepção sobre a Arte/Música Contemporânea, estimular a escuta e observação crítica, ampliar o repertório sócio - cultural, oferecer um espaço expressivo de autonomia e rever os acordos da relação interpessoal.
Os procedimentos de maior utilização foram a criação livre em artes, o improviso e composição coletiva em música, com o objetivo de contemplar a pedagogia crítica e imprimir conceitos sobre o 'fazer' música e arte contemporâneas. Para escolha dos conteúdos trabalhados foram consideradas as necessidades de aprendizagem técnica, social, cultural e ética, que o alunos demonstraram através de uma longa avaliação nos anos em que sou docente deste grupo. Os alunos desconheciam as relações feitas entre as disciplinas e alguns procedimentos com os quais trabalhamos, como foi o caso  da condução autônoma no processo de composição musical e a atividade de criação livre apoiada na representação do som.



Descobrindo as interfaces entre as Artes

O projeto fundamenta-se na experimentação a partir de Koellreutter, educador musical alemão, que viveu no Brasil e influenciou educadores que são referências na educação musical atual sob o pensamento de que música deve ser "para o alargamento da consciência e para modificação do homem na sociedade" (BRITO, 2015, p.19).

Sendo assim, as professoras orientadoras se utilizaram de aulas dialógicas*( aulas conjuntas e articuladas), condução espontânea e autônoma de processos criativos, improvisação, práticas criativas orientadas, aulas explicativas e audições audiovisuais para condução das fases do processo.
Começou-se o trabalho disciplinar, onde Música explorou o campo de conhecimento sobre a linguagem contemporânea musical, através de audições e práticas de composição coletiva e Artes Visuais explorou a arte Conceitual e modos de produção.


Introdução ao projeto

Objetivo: Sensibilizar a percepção sobre a Arte/Música  Contemporânea

Na aula de Música, para aproximar a proposta do aluno, o trabalho foi aberto com uma conversa sobre o caráter interdisciplinar que a música possui, de maneira informal,  com o objetivo de problematizar e sondar o conhecimento do aluno sobre o assunto.  Nesta aula falou-se sobre os diálogos da Música com outras disciplinas, como, por exemplo, as diferentes linguagens artísticas, a matemática, a biologia, a história e a linguagem.
Junto com os alunos, foi estabelecido que trabalharíamos com composição, em uma abordagem contemporânea, visto que o grupo estudou este conteúdo dentro do currículo de música no oitavo ano. Foi estabelecido também que começaríamos a dialogar com Artes Visuais e a professora Natália Lemos foi convidada.
A professora de Artes apresentou-lhes à arte conceitual, que representou um rompante para os caminhos da história da arte. A partir daí, começaram uma pesquisa sobre a arte contemporânea, e os processos que demonstram as interfaces entre as diferentes linguagens artísticas.
Na aula seguinte assistimos ao documentário "When Björk Met Attenborough : The Nature Of Music", onde a cantora islandesa e o biólogo conversam sobre a interdisplinariedade que está inerente á música. No documentário é traçado o quanto e de que maneira podemos encontrar a música na biologia, na engenharia, na matemática, na vida animal, como o som pode ser representado visualmente através de recursos de tecnologia audiovisual , e as diversas dimensões que ela ganha á medida que a tratamos como bem material e imaterial.
Concomitantemente, na aula de Artes, foram realizadas atividades individuais para estímulo motor espontâneo, e em seguida trabalhou-se exercícios de improvisação com música corporal, com o objetivo de preparar o grupo à uma aula conjunta para criação visual coletiva, em dinâmicas de noção espacial, tempo e escuta.

Saiba mais acessando:
When Björk at Attenbourgh




Estimulando a escuta e observação crítica e ampliando o repertório sócio - cultural.

Nesta aula reuniu-se os dois grupos de 9° Ano (49 alunos) em aula dialógica (aula sem divisão disciplinar) com as duas professoras, para um breve  contorno sobre o processo. A aula foi um exemplo sobre como poderiam realizar uma leitura sonora e gráfica, dado a falta de estímulo ou entendimento dos alunos sobre o trabalho, diagnosticado pelas professoras após algumas aulas. Esta aula tornou-se uma ferramenta que gerou maior entrosamento entre os alunos e o projeto desenvolvido.

Aconteceram dois exercícios dialógicos durante a aula:
Exercício dialógico 1:
Neste exercício foi proposto a escuta da obra "Satyagraha-Protest" (Philip Glass,  Satyagraha, Ato II, Cena III) Clique aqui para ouvir na composição gráfica coletiva com tinta guache em cartolina.
A proposta era que as professoras realizassem  o processo em dupla, entretanto, no momento da atividade resolveu-se abrir um convite aos alunos que se sentissem á vontade á participar deste exercício. Durante a atividade três alunos juntaram-se ao processo, o restante do grupo observou.
Antes de começar o exercício  foi explicado o significado de Satyagraha , termo em sânscrito que significa 'busca da verdade', insistir pela verdade, representando a luta de Ghandi pela resistência á injustiça através da não-violência. Nesta ária o tenor canta uma oração de Ghandi, que teve livre tradução a partir do libreto em espanhol, para melhor aproximação da obra.

LA ORACION DE GANDHI 
El Señor dijo: 
No hay que odiar a ser alguno, 
hay que ser compasivo, amable, 
y acabar con la idea del ‘yo’ y de lo ‘mío’, 
tanto en el placer como en el dolor. 
Rearfirmando vuestro yo, con firme propósito, 
dejad que vuestra mente y vuestra alma 
se impregnen de Mí, porque si me adoráis con amor  
yo os amaré a cambio. 
Amo a ese hombre ante quien la gente no tiembla  
y que él no tiembla ante la gente; 
que está libre de la exaltación, del miedo, 
de la impaciencia y de la excitación. 
Amo al hombre que no tiene expectativas, 
que es puro, evolucionado e indiferente, 
que no tiene preocupaciones y renuncia 
a toda empresa egoísta, pues es leal y solícito conmigo. 
Amo al hombre que no odia ni se exalta, 
que no llora ni desea, 
que supera las circunstancias, 
tanto las agradables como las desagradables, 
que es leal, devoto y solícito. 
Amo al hombre que es igual  
tanto para los amigos como para los enemigos; 
igual para el que lo respeta 
como para el que lo desprecia; 
que es el mismo en el calor y en el frío, 
en el placer y en el dolor; 
que desprecia todo y permanece impasible 
ante la alabanza o el reproche; 
que gasta pocas palabras; 
que se contenta con lo que encuentra en su camino; 
que no tiene casa;  
de mente firme, pero leal, dedicado y solícito. 
En cuanto a aquellos hombres que reverencian 
estas inmortales palabras de rectitud, 
de las que os estoy hablando, 
y que ponen su fe en ellas, haciendo de mí su meta, 
a esos, mis amados seguidores, los amo sobre todo. 
Satyagraha - Philip Glass


Representação Gráfica "Satyagraha"

Exercício Dialógico 2:
 Realizou-se o exercício ao contrário: uma leitura sonora a partir da imagem da obra sem título do pintor holandês expressionista De Kooning, usando instrumentos de pequena percussão (kalimbas, chocalhos de sementes e tampas, queixada, címbalo, guiro, pandeiro) e teclas (xilofone e metalofone).
De Kooning, anônimo

A intenção foi oferecer um panorama do trabalho que viria a ser feito.


Produção de processos artísticos

Objetivos : Oferecer um espaço expressivo de autonomia e rever os acordos da relação interpessoal.

Composição musical coletiva

Pequenas melodias no xilofone
No grupo A : cada aluno escolheu um instrumento e a partir da coleta de ideias musicais individuais criaram um base harmônico-rítmica minimalista que serviu de base para a improvisação. O trabalho foi regido pelo próprio grupo.
No grupo B: o grupo discutiu durante um tempo maior que o grupo anterior, chegando á conclusão que seguiriam a seguinte forma musical:

INTRODUÇÃO | IDEIA MUSICAL | PEQUENO DESENVOLVIMENTO | FINALIZAÇÃO

Os grupos tiveram 3 aulas para concluir a ideia e seguiram um critério de criação melódica mais intuitiva, pautando-se pela música descritiva, usando os sentidos como mote.




Grupos de composição musical: Juntos somos melhores!





em busca da melodia e o sentido
Vamos ensaiar?


Relembrando a melodia no metalofone
Xilofone Baixo no ensaio




















Criação Gráfica

Os grupos seguiram a mesma metodologia de trabalho descrita a seguir:
No centro do ateliê de Artes foi oferecido uma cartolina branca e um pote com muitos lápis de cor. Os alunos  dividiram-se em 3 (três) grupos, onde um de cada vez sentou-se ao redor do papel para desenhar. Cada grupo se revezava de 7 em 7 minutos, passando pelo trabalho duas vezes. Assim, o
trabalho foi construído coletivamente, e os alunos puderam passar pela criação coletiva duas vezes, podendo interferir de maneira espontânea. A proposta foi livre, a orientação foi silenciar por um tempo e desenhar a partir de sensações pessoais.

Leitura sonora

Realizou-se a leitura sonora a partir da criação gráfica do outro grupo. Desse modo o 9° A fez leitura sonora sobre a criação gráfica do 9° B e vice-versa.
Juntos estabelecemos critérios para a leitura sonora analisando a criação gráfica, considerando e classificando os elementos existentes no desenho e criando uma legenda. Portanto o risco, corresponderia á ruídos; o colorido seria representado por sons agudos; as formas geométricas ganhariam um melodia tocada pelos xilofones e devido a presença constante de símbolos do coração , Boomwhackers e tambores o representariam.

Leitura gráfica

Os grupos seguiram a mesma metodologia de trabalho descrita a seguir:
No centro da sala uma cartolina branca e lápis de cor. A sala em silêncio. O grupo escutou por duas vezes seguidas a composição musical, e em seguida, com a música em looping tomando a sala, os alunos puderam ir até  a folha desenhar as sensações a partir do som. Nesta etapa não foram divididos grupos e os desenhos foram criados de acordo com a vontade de contribuição de cada participante. A vontade de expressar a música,  graficamente, foi o mote para levar o aluno o papel.

Veja aqui a estrutura de todo o trabalho:




Estrutura das atividades

                      "Diálogos", Clique aqui para ver e ouvir as produções realizadas no projeto.

"Montanha Russa de Cores" - Criação Gráfica 9° A/ Leitura Sonora 9° B

"Aleatoriedade"- Criação Gráfica 9° B/ Leitura Sonora 9°A


"Assombração Mágica" - Composição Musical 9° A/ Leitura Gráfica 9° B




"Dias de Sol" - Composição Musical 9° B/ Leitura Gráfica 9° A



Relatos
( Ressignificação do processo criativo a partir da avaliação)

Foi orientado e pedido um relato da etapa 3, considerando criação gráfica e musical e a leitura gráfica e sonora. Os relatos foram entregues pela grande maioria dos alunos e foram realizados de maneira minunciosa e cuidadosa pela maioria. Explicou-se que os relatos deveriam rever os processos, descrevendo-os, bem como oferecendo uma visão pessoal sobre o trabalho.

A seguir alguns relatos dos alunos:



























Avaliação

Na primeira etapa os alunos tiveram que receber diferentes estímulos e orientações para que conseguissem compreender o que seria o projeto. A princípio tinham a base de um conhecimento superficial sobre a história da música contemporânea que haviam recebido no ano anterior , nesta fase observou-se a escuta e a compreensão sobre a proposta revelando um grupo com certo distanciamento desta linguagem e uma escuta pouco cuidadosa.
Na segunda etapa, se fez necessária uma reavaliação sobre os procedimentos escolhidos e contextualização do discurso, devido ao diagnóstico realizado na primeira, representando assim um espaço de observação e exemplificação á proposta. Os alunos tiveram a chance de presenciar de como integrar estas linguagens artísticas, entretanto, mesmo com uma escuta e atenção ainda imaturas e pouco reflexiva, já era possível notar em alguns alunos a iniciativa, a vontade de interagir e  uma crescente compreensão do processo como um todo.
Na última etapa revelou-se como a fase da apropriação da ideia e vivência da integração das linguagens artísticas. A partir deste momento os alunos foram ganhando espaço de autonomia e gerando as produções de maneira consciente com um maior sentimento de pertinência pelo trabalho desenvolvido. As criações musicais e gráficas realizadas representaram um espaço de aprendizagem socioemocional importante, além de ter oferecido uma profusão de ganhos estéticos e conceituais sobre as linguagens artísticas.
Os relatos entregues nesta última etapa foram de extrema importância, pois através deles os alunos revelaram boa maturidade e observações significativas sobre a experiência. Em boa parte das relatos esteve presente o domínio sobre o processo, a boa percepção da proposta, amadurecimento sobre a integração das linguagens através de comentários sobre a importância da música curricular e sua integração com outra linguagem. Houve enriquecimento do discurso crítico por parte de alguns
alunos que narraram que a proposta foi legítima, positiva e inovadora para o currículo na educação fundamental.

Auto-Avaliação

Na fase diagnóstica do processo encontrou-se dificuldade em introduzir este conceito de integração das linguagens artísticas, pois havia o desejo de distanciar-se da visão mercadológica do processo. Então achou-se interessante assistir ao documentário  When Björk Met Attenborough : The Nature Of Music, que ajudou á introduzir e aproximar a ideia para todos.
A medida que o processo foi progredindo, recorreu-se à pesquisa sobre  experimentação na área da educação musical a partir de Koellreutter . Desse modo, através da pesquisa do seu pensamento sobre a ação do educador da linguagem musical, norteou-se uma conduta de ação no restante do processo,
oferencendo maior autoridade sobre a proposta.
Na aula dialógica ao mesmo tempo em que foi oferecido ao aluno um momento de atuação artística
do professor, expondo-o numa situação mais vulnerável, fora de sua zona de conforto, com a professora de música explorando sua expressão  plástica , bem como a professora de artes sua expressão musical, puderam, as próprias autoras do projeto, vivenciar a experimentação integralmente como o faria , mais tarde, o aluno. Essa vivência revelou aprendizagens que poderiam
explorar como, por exemplo, a relação interpessoal, a escuta e observação crítica,  o redimensionamento da aprendizagem em ambas linguagens e a iniciativa.

Investiu-se em uma boa comunicação entre as professoras durante todo o processo de produção do material artístico criado. Cumpriu-se  o compromisso de envio imediato de gravações e fotos que registraram as produções durante o projeto, permitindo boa visibilidade sobre a atuação de cada uma
das ações e realizações da proposta.

Confirma-se que o diálogos entre linguagens artísticas é de grande relevância para o entendimento da arte contemporânea, bem como sua contribuição para processos educacionais sócio-críticos que se
encaminhem para uma educação complexa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRITO, Teca Alencar de. Koellreutter educador: o humano como objetivo na educação musical. São Paulo: Ed. Peirópolis, 2001.
____________________. Hans-Joachim Koellreutter: ideias de mundo, de música, de educação. São
Paulo: Ed. Peirópolis, 2015.

FONTERRADA, Marisa Trench O. De tramas e fios: um ensaio sobre a música e a educação. São Paulo: Ed. Unesp, 2005.

GRIFFITHS,Paul. A música Moderna: uma história concisa e ilustrada de Debussy a Boulez.Traducão: Clóvis Marques.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

LIMA, Sonia Regina Albano de. Ensinando Performance Musical. In: RAY, Sonia (Org.). Pesquisas e práticas interdisciplinares em ambientes musicais. 1 Ed. Goiânia: Ed. Vieira, p 99-109, 2015.
_________________________. Interdisciplinariedade: uma prioridade para o ensino musical. Revista  Música Hodie, vol. 7, nº1, p. 51-65, 2007.

PAYNTER, J. Hear and now: an introduction of modern music in schools. London:Universal Edition,1972.




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