"Suítes Aquáticas"

“SUÍTES AQUÁTICAS”: 
processo de criação musical e escuta a partir do elemento água
Luciane Pereira de Morais

(...) música na educação básica não deve ser a esteira ou fundo para desenvolver outros conhecimentos, mas sim, figura, que por sua expressão, linguagem e meio de produção singulares, deve ser valorizada como manifestação fundamentalmente humana e ter espaço garantido na formação integral humana. Porque fazer música é uma experiência “do” humano que recria, repensa e reelabora os sons e sentidos que capta e percebe em seu meio. Porque escutar, aprender e ensinar música nos depara com processos educativos que somente ela é capaz de alçar. Porque música é parte integrante e essencial do que é SER. Um ser que FAZ, SENTE e PENSA. Um ser que experimenta cada uma dessas categorias do processo de ensino- aprendizagem musical para ser todo, integral.

 Morais (2019)

Introdução
O projeto “Suítes Aquáticas” foi desenvolvido com três turmas do 2º ano do Colégio Marupiara, São Paulo, 2018, durantes as aulas semanais regulares de 50 min. de Educação Musical. Desse modo, a partir de projeto de trabalhos (HERNÁNDEZ & VENTURA, 1998) sob a temática “Água” desenvolvi esse trabalho com o objetivo de integrar as diferentes áreas do conhecimento, a fim de construir um conhecimento complexo sobre a temática, sendo que o objetivo específico da área de Música foi trazer o aspecto sensorial e estético de maneira lúdica. 
A motivação do projeto aconteceu em uma ação multidisciplinar sobre uma temática, a Água, envolvendo Artes Visuais, Música, Ciências e Português. Cada uma das áreas teve interlocução, da mesma forma que cada uma foi elaborando desdobramentos, segundo a área de atuação. O dialogismo ficou evidente na maneira que o estudante construiu o conhecimento sobre o tema. A temática escolhida entre os professores decorreu diante do reconhecimento de estudos da Organização das Nações Unidas, que trazem a evidência de uma crise mundial do abastecimento de água mundial, ferindo ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número seis. Esse objetivo faz parte dos 17 objetivos pré-determinados e escolhidos para a agenda de 2030 e busca “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos”. Para tanto, foi determinado pela ONU, a abertura da década 2018 - 2028 como a Década Internacional para Ação, Água para o Desenvolvimento Sustentável, tendo seu início no Dia Mundial da Água, em 22 de março de 2018, e terá seu término na mesma data em 2028.
É importante ressaltar que esse Colégio possui uma abordagem interacionista, sendo a Complexidade, sua forte tendência epistemológica no segmento do Ensino Fundamental 1 e que a preocupação com o meio-ambiente e a relação do ser humano com ele é um tema que permeia constantemente o discurso pedagógico e educacional desta instituição. 

Objetivos:
O objetivo geral presente desse projeto foi o desenvolvimento da percepção sensorial, da estesia e a exploração de diferentes maneiras de se discuti ruma temática.
Objetivos específicos:
1.    Estimular a percepção sensorial;
2.    Aguçar a sensibilidade;
3.    Despertar a percepção estética da forma musical;
4.    Exercitar uma escuta ativa, sensorial para construção da escuta crítica;
5.    Vivenciar processos de investigação sonora;
6.    Vivenciar processos de criação musical colaborativa;
7.    Contribuir com a formação integral do estudante dialogando com diferentes áreas do conhecimento;
8.    Elaborar projetos interáreas para exercitar a abordagem multi e interdisciplinar.

Procedimentos metodológicos
Delineei seis etapas, como uma sequência didática, para o desenvolvimento do projeto a partir da disciplina regular de Educação Musical:
1.    Escuta ativa da “Dance Suíte” de Matyas Seiber (1905), com lenços coloridos, movimentação corporal e observação ao caráter de cada peça da suíte. Conversa sobre o que é uma suíte (seleção de peças de mesma temática) e caráter musical.
2.    Investigação sonora e escuta da paisagem sonora. As crianças fizeram a aula em um espaço arborizado do Colégio, com maior incidência de canto de pássaros, depois experimentaram assobiar com apitos d’água de passarinhos, recriando a ambientação sonora que escutaram.
3.     Roda de conversa sobre os sons que podemos ouvir da água e suas diferentes fontes sonoras. Relacionamos o conceito sobre a forma suíte e a atividade de escuta de paisagem sonora para pensarmos: “como podemos compor uma Suíte Aquática?”
4.    Criação musical melódica e grafia musical com tampas coloridas (jogo de escrita musical concreto).  Pequenas melodias foram compostas a partir de instrumentos de teclas (xilofones e metalofones) em pequenos grupos (três a quatro crianças).
5.    Criação musical para seleção, investigação sonora e experimentação de instrumentos de percussão: chocalhos com sons de água, paus-de-chuva, tambor oceano, apitos d’água, recipientes com água. Cada naipe sonoro se destinou a uma parte específica do arranjo sonoro da suíte.
6.    Justaposição de melodias e arranjo sonoro. As pequenas melodias foram gravadas e editas em justaposição (sequência sem uma ponte musical entre cada melodia). Gravamos o arranjo para percussão após a gravação das melodias. 


Produção musical coletiva

A produção musical coletiva teve seu registro escrito e fonográfico, seguiu por caminhos ora intuitivos ora técnicos-musicais.  Portanto, cada uma das melodias compostas, feitaspor cada pequeno grupo,foram transcritas no software de escrita e criação de playback, Notion Presonus. Usandoa técnica decomposição   Justaposição’, quepermite que as melodias possam ser reunidas uma após a outra sem a necessidade de criar uma unidade ou razão tonal entre elas, reuni todas as melodias como podemos observar na partitura abaixo:




Junto às crianças decidimos que o trabalho deveria ser apresentado aos pais e que necessitaríamos explicar e contar  como ele foi feito. Então elaboramos um INFOGRÁFICO para facilitar a comunicação.As crianças colaboraram na estrutura e layout do infográfico, repensando em cada passo do processo.
Usando ferramentas tecnológicas (Aplicativo PIC-COLLAGE) e elaborando um texto destinado a este tipo de veículo de comunicação e instrumento educacional, verifico que exercitamos um Ensino interdisciplinar em potencial.


Considerações
A metodologia utilizada durante o processo apoia-se nos métodos ativos de ORFF, Dalcroze, Schafer (FONTERRADA, 2008) e Koellreutter, confirmado a partir do firme compromisso em trabalhar o alargamento da consciência sobre o conhecimento e à experimentação adotado como procedimento durante o processo de criação.

Observei que cada estudante aguçou sua sensibilidade estésica, melhorou sua concentração e estimulou seu interesse pela investigação sonora, sob mesma temática que conduziu o projeto de trabalho interáreas. Este processo demonstra a amplitude que a música deve estabelecer na educação básica, em contribuição à formação integral.
 A experiência na criação de arranjos, a escuta ativa e a investigação da fonte sonora tiveram grande destaque, devido sua ludicidade com os materiais e mediação realizada. Mariana, 7 anos, sobre o processo: “tudo que a gente aprende deveria ser assim: brincando”. 
Os estudantes estabeleceram grande afetividade e identificação com estas vivências. A experiência nesse projeto demonstrou importante efetividade no uso de métodos ativos e projetos de trabalho, corroborando a importância da música nesse contexto.

Referências Bibliográficas
BRITO, Teca Alencar de. Hans-Joachim Koellreutter: ideias de mundo, de música, de educação. São Paulo: ed. Peirópolis, 2015.

HERNÁNDEZ, Fernando; Ventura, Montserrat. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. 5º ed. Porto alegre: Artes Médicas, 1998.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2ed. São Paulo: ed. Unesp; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

MORAIS, Luciane Pereira de. O processo de ensino-aprendizagem musical: um fator de desenvolvimento integral humano no Colégio Marupiara. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. São Paulo. p. 165. 2019.

SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Trad. Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação Editora Unesp, 1991.
_________, R. Murray. Educação sonora: 100 exercícios de escuta e criação de sons. Trad. Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

Vídeo do Projeto:






AÚDIO DA COMPOSIÇÃO COLETIVA:



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